O que relatar
sobre um local como este?
Fantástico,
surreal, espetacular? Tudo isso passaria longe para descrever aos que não o
viram. É o tipo de local que só tem como delinear, quem lá esteve, e olhe lá. E não faço
essa introdução falando apenas da cachoeira em si. O que encanta e toca os
sujeitos enquanto parte da natureza que somos, é todo o percurso, o limiar da
dolorida, longa, difícil e linda trilha. Mas o que
seria problema inicial, tornou-se desafio… e desafio é para ser superado.
A viagem
começa em nossos planos e em sonhos, afinal a cachoeira da fumacinha é uma das mais
bonitas do país, e fica, digamos bem próxima ao nosso ponto inicial que é a
cidade de Jequié, também na Bahia.
A
cachoeira localiza-se na cidade de Ibicoara, município baiano situado no
sudoeste do Parque nacional da Chapada Diamantina. Possui aproximadamente 18
mil habitantes. Seu nome vem do tupi e significa “buraco na terra". Em
Ibicoara temos ainda as cachoeiras do buracão, cachoeira das orquídeas,
cachoeira do recanto verde, cachoeira do licouri, dentre outras... a cidade
surge ainda no sec. XIX na busca desenfreada de minérios, principalmente o
ouro. Era ponto de parada dos tropeiros que se destinavam a Mucugê e Andaraí e
chamava-se povoado de São Bento, passando a chamar-se Igarassu logo depois. Quando na
década de 40 tornou-se distrito, ganhou o nome de Ibicoara. Logo em seguida
desmembrando-se de Mucugê e emancipando-se em 1962. Nos dias contemporâneos
cultiva-se café e cria-se gado por lá, sendo ponto inclusive de exportação do
café local.
Mas
voltando ao ponto, A cachoeira da fumacinha... O desafio representa para mim:
o desconhecido. Não costumo
entrar em ruas escuras, tarde da noite e em bairros afastados, mas, no dia
seguinte, a mesma rua sob a influência do sol, se transforma, é outra, e pode
até acabar sendo a rua da nossa futura casa. Afinal, quem nunca andou pela casa
na madrugada sem acender nenhuma luz?
Assim iniciamos a Fumacinha.
Saímos de Jequié ás 21:30 do dia 4/9/2015. A previsão de chegada era de um horário, mas terminou sendo outro. Alguns pneus
furados e paradas para tomar água, sem contar na parada de quase meia hora
apenas para apreciar as estrelas pelo caminho, mas
finalmente chegamos à Ibicoara ás 2:30 e nos dirigimos ao "Baixão de Ibicoara".
Nos 100 metros iniciais de trilha, passamos por uma vegetação alta,
razoavelmente fechada, mas que permite identificar por onde se deve passar e
chegamos a clareira na
mata onde dormimos num camping selvagem para iniciar a trilha ás 7:30 do dia 05/09/2015.
E assim foi! Mal sabíamos o que estava por vir... A riqueza de detalhes, a
grandeza de sentir-se parte natural daquele ambiente, bem como preparos físico
e principalmente psicológico que ficam guardados na memória, o tipo de
recordação individual que nem mesmo câmeras conseguem definir.
Logo cedo acordamos e fizemos nosso desjejum ali mesmo no Camping.
Alimentados, era hora de nossas orações diárias matinais, do abraço coletivo
para aumentar a força e o sentimento de unidade,
colocamos nossas gigantescas cargueiras nas costas e partimos, rumo aquele que
seria até então o maior desafio que nos propusemos desde a criação do grupo.
A trilha inicia-se leve, aberta, bem batida, contendo uma vegetação baixa e rasteira por onde aparecem
pedras pelo caminho. Preste bastante atenção por onde pisa, pois, o local é
habitat natural de algumas espécies de cobras. Chegamos então ao local de
travessia do primeiro riacho, aparentemente fácil, porém vale atenção, pois um
escorregão pode causar uma lesão um pouco maior.
Ou seja, vai de acordo com o gosto de cada um (e preparo também). Seguir pela esquerda leva ao leito do rio, passando por diversos tipos de rochas que algumas vezes exigem pequenos Boulders (escaladas sem equipamentos propícios) e Escalaminhadas (pode seguir por ele até o Poço da Pedra Lascada) que foi a nossa opção.
Antes de chegar ao poço, há o tão temido RALA PEITO ( local por onde
temos que passar, como o nome já diz, completamente encostados no paredão de
pedras, que fica cerca de 15 metros acima do poço da pedra solta e que possui de profundidade ignorada.
Fizemos essa travessia com muita cautela, passando as mochilas numa
espécie de corrente humana, e depois passando um a um com auxilio uns dos
outros. Ao final, momento de muita emoção, onde alguns de nós não seguraram a
emoção do feito, e permitimos o escorrer das lágrimas. E ainda não havia
acabado, apesar do cansaço visível em quase todos.
As
articulações já doíam bastante, principalmente joelhos e pulsos. Seguimos de
pedra em pedra, riacho em riacho até chegarmos a mais um local bem difícil de
atravessar e que dava acesso a cachoeira
do encontro, que fica a cerca de 1 hora e meia de caminhada da fumacinha. Local
lindo, propício ao banho, extremamente convidativo. Resolvemos então armar
acampamento ali, já que fomos com esse desígnio de fazer em dois dias a trilha.
Procuramos um local seguro que ficasse fora do caminho de passagem das águas,
caso ocorresse algum tipo de cheia repentina (tão comum na Chapada Diamantina) o que chamamos por aqui de tromba d'água (erroneamente) ou cabeça de nêgo, que
consiste numa chuva forte local que dura no máximo uma
hora e causa o aumento do nível das águas no rio, repentinamente.
Já eram 14:00 quando resolvemos parar nesse local, fizemos um lanche coletivo, armamos
acampamento e nos entregamos ao banho demorado nas águas da cachoeira do
encontro pelo restante da tarde. Ali dialogamos sobre essa experiência que
vinha se mostrando tão inusitada e tão espetacular. Criamos estratégias de como
percorreríamos o restante da trilha no dia seguinte, para que diminuísse a
dificuldade principal que era carregar o peso das mochilas. Decidimos por
desarmar acampamento cedo e deixar todo o nosso material na mata, em local
seguro, apesar do risco de roubo ou perca naquele local, ser mínimo.
A noite caiu
e fomos presenteados com um céu completamente estrelado e limpo. Coisa de
contemplar. Fizemos nossa janta, já que levamos toda a alimentação necessária e
equipamentos para tal. Alguns foram em busca de madeira morta para fazermos uma
fogueira para aquecer, já que nessa região, fomos alertados da queda de
temperatura durante a noite. Tomamos um vinho seco e petiscamos
queijos e salames. Não era atoa que as mochilas pesavam tanto.
Dormimos
cedo, para descansarmos bem e levantamos cedo também. Para nossa surpresa,
tivemos companhia durante a noite. Pela manhã ao reiniciar a trilha, vimos uma
cascavel, que descansava de sua provável última refeição, entre duas pedras.
Passamos, sem muito barulho e a deixamos lá quietinha, como deve ser.
Pegamos a
trilha à esquerda da cachoeira e continuamos o que seriam mais ou menos 1 hora e meia de caminhada até a tão esperada CACHOEIRA DA FUMACINHA.
Continuamos
pelo rio, por mais aproximadamente 600 metros até chegar ao poço da cachorra, onde fizemos uma pequena escalada em uma pequena
parede rochosa. Como éramos muitos no grupo, fica sempre mais fácil, um ajuda o
outro. Fizemos uma espécie de corrente. Íamos nos ajudando mutuamente e ao
final tudo deu certo. Com cuidado, passa-se com tranquilidade pelo local.
Algumas pausas para
fotos e logo depois virando-se à esquerda, aquele momento em que se prende a
respiração e um grupo de 17 pessoas para sem nenhuma palavra pois avista logo à
frente a entrada do cânion da cachoeira da fumacinha. Nesse momento perde-se a
noção de tempo, de verdade, do que realmente vale e não vale a pena nessa vida,
de quão pequenos somos. E quando prosseguimos, agora queremos logo chegar.
Chegando na
entrada do cânion travei, e não conseguia sair do
lugar. Ainda teríamos que passar em por um último poço antes de efetivamente
contemplar a Cachoeira da Fumacinha. Deste ponto já é possível vê-la. Passa-se
pelo poço pela esquerda, seguindo colado na parede, equilibrando-se com mãos e pés até chegar de fato ao destino tão
esperado. Via meus amigos passando e eu não conseguia, nãos sei nadar, e o
excesso de medo me paralisou os movimentos. Não havia outra coisa fazer nesse
momento a não ser sentar e acalmar. Todos passaram por eu insistir e fiquei
sozinha num momento de reflexão, pensando em como a derrota é frustrante, como
chegar tão longe e não alcançar os últimos 10 metros. Horava copiosamente e não acalmava. Até que 7 dos meninos do grupo, voltaram e fizeram uma espécie de
barreira pela água, e um deles me acompanhou na travessia por cima para que eu
pudesse alcançar êxito. Ao passar, mais choro, mais abraços e a SURREALIDADE DA FUMACINHA APRESENTAVA-SE
TÃO REAL E TÃO PRÓXIMA.
Parada para
contemplação, fotos para registrar o momento, lanche e o banho. Sem dúvida
foi a água mais fria em que já entrei durante minha vida. Poucos minutos e
sentia os músculos inferiores completamente dormentes, ou seja, mais um motivo
de atenção. Não é aconselhado nado no poço da fumacinha por longos períodos. A
queixa de dormência e câimbras é quase de todas as pessoas que entram na água.
O retorno foi bem mais tranquilo, pois devido ao desgaste da ida, optamos por
fazer a trilha pela mata, nos livrando de todos os obstáculos naturais que já
citei acima. A volta foi feita em cerca de 4 horas e chegamos ao ponto inicial da
trilha. Todos bem, salvo alguns arranhões superficiais e dores já esperadas nas
articulações. Seguimos até a fazenda de um nativo, que por sinal também era um
alambique da cidade, onde passamos a noite com direito a recepção calorosa,
comida local deliciosa, fogueira e um ambiente super preservado e distinto dos
demais. Na fazenda encontram-se pinheiros e araucárias trazidas da região sul
do pais, vegetação típica do local e um canavial do qual é fabricada a cachaça
do local.
Essa trilha
é aconselhada a fazer com guia ou uso de GPS, porém cuidado ao usar GPS, como
fica dentro de cânions, muitas vezes as informações por satélite não chegam
adequadamente. E assim como em outras trilhas que passa por rio, fiquem alerta
sempre. Até pouco a Cachoeira do Encontro nota-se vários locais com possibilidades
de ir para a lateral. Após a Cachoeira, o Cânion afunila, e são vistos poucos
locais mais altos que o leito do rio. Todo cuidado é pouso! Antes de ir para a
Fumacinha, converse com moradores locais (Ibicoara e/ou do Baixão) a respeito
das chuvas e se os guias estão fazendo o percurso normalmente. Prezem sempre
por segurança, afinal, trilha boa é aquela que vamos e voltamos inteiros.
Agradecimentos a José Sylvio e Dimas de Campos (www.dimasdecampos.com) por cederem alguns registros fotográficos desta aventura fenomenal.
Uma matéria escrita por Chris Santos.
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